Edição Março 2022

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 Parceria com Bosch
Desenvolvimento da condução Autónoma em primeira mão com Sensor LiDar

Como quando os meninos pequenos estão a aprender a andar de bicicleta e acham que já dominam a parada sai um grito ao longe: "Olha Pai! Agora sem mãos!!!". O coração aperta pois a receita está pronta... a dar asneira. Quando falamos em automóveis receita é a mesma, apesar de mais cuidada, ainda tem de ser aprimorada.
Os ingredientes já estão escolhidos mas como o caminho não tem de ser fácil alguns ainda estão em desenvolvimento ou em estudo e outros já a servir de cobaias no mundo real. O LiDAR é um deles, falamos nele pela primeira e única vez, na edição de Setembro 2018 onde foi apelidado de fita métrica através de laser. 
Afinal um laser consegue medir distâncias? Os lasers fazem mal aos nossos olhos? De que é composto um laser? Antes de avançarmos é conveniente perceber um bocado da física por detrás da tecnologia. 
Um feixe de laser não é nada mais nada menos que um feixe de luz. Contudo não é uma luz qualquer, temos de perceber que a natureza da luz é muito mais do que aquilo que nós vemos...
A radiação eletromagnética que vem diretamente do nosso astro (Sol) é composta por vários tipos de "luz" onde apenas uma pequena parte é visível ao olho humano. Apenas radiação entre 380nm e 740nm é traduzida no espectro de cores que nós conhecemos, tudo o resto é radiação que até podemos usar no nosso dia a dia mas não é visível como os infravermelhos, ultravioletas, ondas rádio, raios-x... 
Os LiDAR na Mercedes-Benz usa infravermelhos com comprimento de onde de 905nm, um alcance de 180m e com um varrimento de 120º (horizontal) / 10º (vertical). Normalmente laser de Classe 1 que se traduz numa radiação não prejudicial à nossa visão mesmo em casos de longa exposição (laser alojado em involucro impermeável, não podemos garantir a mesma classe se o aparelho for colocado em funcionamento sem o alojamento). 
LiDAR (da sigla inglesa Light Detection And Ranging) é uma tecnologia óptica de detecção remota que mede propriedades da luz refletida de modo a obter a distância e/ou outra informação a respeito um determinado objeto. O método mais utilizado para determinar a distância a um objeto é a utilização de laser pulsado e a mesma pode ser determinada medindo a diferença de tempo entre a emissão de um pulso laser e a detecção do sinal refletido, de forma semelhante à tecnologia do radar, que utiliza ondas de rádio. 
A unidade que usamos na Mercedes (varrimento) não é igual ao que estamos habituados a ver no mercado (rotativo). Como já falamos temos uma abertura 120º ao contrário dos 360º que os rotativos fazem, no entanto, o seu funcionamento passa por enviar através de dois espelhos em constante rotação, impulsos luminosos infravermelhos que quando colidem com um objeto regressam ao sensor. O receptor do sensor consegue pelo tempo de viagem do feixe calcular a localização precisa do objeto. Ao mesmo tempo uma imagem 3D do ambiente é criada.
O LiDAR tem as seguintes funções:
  • Reconhecimento da faixa de rodagem - normalmente as estradas são pretas e as marcações brancas, como sabemos o preto absorve a luz e o branco reflete e por isso facilmente se reconhece as limitações das faixas de rodagem;
  • Reconhecimento de objetos - todos os objetos móveis ou estáticos serão detectados e mapeados;
  • Reconhecimento de precipitação ou bloqueio (sujeira) - No caso de chuva/neve/nevoeiro os feixes laser não vão conseguir fazer o seu correto trabalho, o mesmo acontece se o sensor tiver sujo. Para isso temos um sistema de aquecimento e lavagem do sensor que na partida e de forma cíclica durante a operação;
  • Determinação da zona de detecção.
O sensor é posicionado na grelha frontal ao lado da câmara frontal (sistema Parktronic 360º) e em baixo do radar.
Em oficina devemos ter em consideração a posição exata do sensor que não deve estar menos de 2mm em cada ponto (A e B). Se for necessário o posicionamento pode ser retificado usando os parafusos reguladores 2 e 4.

Entrevista BOSCH
A entrevista foi direcionada ao Eng. Luciano Sousa responsável por uma equipa de Percepção na Bosch de Braga. O objetivo do projeto visa desenvolver soluções para melhorar as capacidades sensoriais dos veículos autônomos... Onde o LiDAR é uma peça importante!
1 - Todos falam de veículos autônomos mas quando pegamos num automóvel de produção ainda parece que estamos muito longe de atingir a perfeição. Quando é que a tecnologia vai dar aos comuns dos mortais um vislumbre daquilo que já é uma realidade no desenvolvimento (R&D)?

Tendo em conta os níveis de automação que foram definidos para explicar o tipo de potencialidades do carro (de nível 0 a 5, sendo o nível 0 sem qualquer tipo de automação e o nível 5 um carro que não precisaria de ter volante ou pedais) é minha opinião que o público começa a sentir uma grande diferença para o que existe hoje a partir do nível 3 (o condutor tem de estar atento mas o carro funcionará autonomamente em auto-estrada fazendo ultrapassagens sem necessitar do comando do condutor).
Dentro do desenvolvimento já vemos grandes melhorias neste aspecto, no entanto, é a passagem para o mundo real que se demonstra complexa. A quantidade de cenários possíveis no mundo real é infinita, e isto não é possível simular. Mas é possível ensinar o carro a responder a estes cenários. É esta a tarefa que temos em mão actualmente.
O Objectivo da Bosch é de um modo incremental disponibilizar todos os níveis de automação, sendo que a meio da década de 20’s vamos ter a maior parte dos carros com funcionalidade autónoma de nível 3 a serem produzidos.


 
2 - O LiDAR pode ser um equipamento principal na condução autonoma ou terá de ser sempre "ajudado"? E quão importante é a redondancia nestes sistemas?

A pergunta depende sempre das circunstâncias em que nos encontramos. Ou de outra forma, qualquer resposta que leiam relacionado com condução autónoma tem de ser necessariamente contextualizada no meio ambiente em que vai actuar. Como exemplo dou a auto-estrada, um meio onde conseguimos determinar com bastante precisão o deslocamento dos outros condutores e atitudes que possam tomar (exemplo: é provável que este condutor vá sair da auto-estrada visto estar a reduzir a velocidade perto da saída).
No caso mais comum para a condução autónoma do nível 3, a auto-estrada, é perfeitamente possível a utilização do LiDAR como componente principal da condução visto que o grande problema será não ter acidentes, posto de uma maneira simplista.
A redundância é crítica para um sistema destes, como um avião temos que ter uma, duas, três possíveis soluções para a situação em mãos. O carro é um sistema que pode com facilidade terminar vidas e deve ser levado com a devida seriedade. Um exemplo interessante que explica bem a necessidade da redundância é a entrada em túneis. Fora do túnel tenho sinal GPS e consigo localizar-me respectivamente ao planeta Terra, dentro do túnel o sinal desaparece e de modo a saber onde me encontro tenho que utilizar os outros sensores.

Como fazemos isso?
Digamos que vejo um sinal de stop a 500 metros e 1 segundo depois faço outra medição, vejo que o mesmo sinal está a 450 metros. Isto implica que estamos a uma velocidade 50 metros por segundo, o equivalente a 180 km/h.


 
3 - LiDAR vs Visão (câmaras) será que teremos esta eterna luta? Só um pode vencer? Ou podemos ter aqui um final feliz e um possível casamento?

Complementando a resposta à pergunta #2, a luta que surge aparentemente pela proximidade de aspecto dos dados que temos do LiDAR e da câmara é uma luta que não é correctamente vista funcionalmente mas sim pelo aspecto do negócio. Ou seja, as vantagens de cada sensor são complementares não se excluem mutuamente, isto a um nível funcional. A um nível de negócio podemos alegar que a utilização só de câmaras reduz a complexidade do veículo final, e menos complexidade são menos custos.
O casamento destes sensores encontra-se ao determinar as vantagens de cada e às desvantagens de cada.
O LiDAR é um sensor activo, ou seja, envia um feixe laser e recebe uma medição. Isto permite, como exemplo, ter um modelo tridimensional do ambiente à volta do carro muito preciso. A Câmara é um sensor passivo, o que o torna mais simples porque apenas tem que receber luz (no espectro visível). Permite também a condução a que nós seres humanos estamos habituados, a câmara é por exemplo essencial para saber se devemos parar no semáforo ou não, já que consegue determinar a cor do sinal.
Tentando explicar com uma só frase: a condução só com câmara neste momento não será tão completa do que câmara + LiDAR, a movimentação do carro será limitada. Em situações complexas (carros em segunda fila numa rua estreita) teremos que absorver o ambiente com mais detalhe que não é necessário na auto-estrada.


 
4 - Arriscando aqui um bocado e pedindo uma opinião pessoal, que marca do sector estará mais próximo de alcançar o Pinácolo da criação?

Sendo suspeito, a equipa que temos neste momento a trabalhar no LiDAR (dividida irmamente entre Portugal e Alemanha) é a melhor equipa que existe a nível mundial! No entanto, boas decisões a nível de produto foram tomadas por muitas outras marcas.
Por várias razões, que vão desde o nível técnico ao nível comercial, a Luminar, a Valeo (marca criadora do LiDAR no Class S) e a MobilEye estão muito alinhadas com aquilo que considero boas decisões para atingirem um produto muito valioso.
Definir o Pináculo actualmente é impossível visto existirem demasiadas variáveis para prever (exemplo: a construção mecânica do sensor aguenta 400 mil kms?).

 
5 - Tentando perceber a um nível mais técnico, quantos feixes será preciso "disparar" por segundo para termos uma imagem 3D com uma resolução considerável para condução autonoma?

Relembro que nos devemos perguntar “Quais as circunstâncias da condução?” para saber o que será “melhor”. Irá também depender do sistema final, ou seja, imaginemos que a estratégia da empresa é ter 10 câmaras apontadas para a frente do veículo e só precisam do LiDAR para conseguir tomar boas decisões perto do veiculo, neste caso o equivalente a 0.2 Mega pixeis seriam mais que suficientes (cada ponto de medição do LiDAR corresponde a 1 pixel no meu exemplo, as câmaras actuais dos telemóveis têm pelo menos 12 Mega pixeis para comparação).
Pensemos então num exemplo concreto, um LiDAR para auto-estrada que queira detectar objectos a 200 metros de distância precisa, em média, de 8 pixeis/pontos a esta distância para uma medição com confiança. Nesse caso, um LiDAR com 2 Mega pixeis seria suficiente, ou seja, 2 000 000 de feixes de medição.


 
6 - Em termos de preço ainda é um componente muito caro comparativamente aos radares e camaras? 

Sim, neste momento o preço do LiDAR é, em grosso modo, 10 vezes superior ao pretendido, sendo que o preço que se pretende atingir será entre os 200 - 800€ (quando produzido em grandes quantidades).
É um sensor ainda com muita investigação necessária e com grande complexidade de construção de modo que, para a situação actual, é um preço compreensível.
O mercado está a atingir um momento de expansão e de adopção desta tecnologia o que torna possível prever que em 3 anos teremos muitas opções viáveis no mercado com o preço dentro do limite que coloquei em cima.
Os telemóveis eram a força motriz do desenvolvimento tecnológico até recentemente (exemplo: tecnologias de Inteligência Artificial aplicadas à câmara) e agora prevê-se que serão os carros autónomos a pegar no testemunho.

 
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